Por seu incontestável valor simbólico, o artesanato guarda grande potencial para o desenvolvimento de destinos turísticos sustentáveis, onde a geração de renda e a valorização do trabalho e das práticas sociais locais são uma premissa. Neste contexto, a Turismo 360 tem desenvolvido projetos de estruturação e planejamento turístico em que a produção artesanal é integrada às vivências locais de forma qualificada e sensível, com o intuito de criar experiências de intercâmbio e conexão afetiva e cultural entre turistas e comunidades tradicionais. Conheça alguns desses projetos.
Turismo 360 Consultoria
Quem não gosta de viajar e levar de volta pra casa algo que materialize a história do destino ou a experiência vivida? As fotos e as memórias se entrelaçam nessa construção afetiva de uma viagem inesquecível, mas nada se compara à sensação de olhar para um objeto na parede ou para um detalhe qualquer da casa e rememorar momentos tão importantes, ainda mais quando essa peça escolhida tem uma (ou mais) história (s) por trás da matéria e forma. Estamos nos referindo a produções artesanais, cujo modo de fazer é um patrimônio imaterial, que remete à ancestralidade, às referências lúdicas, à biodiversidade local e a tradições reinventadas a cada geração em uma comunidade.
Em geral, esses objetos adquiridos nas viagens, além de trazer alma e personalidade para a casa, se transformam em um portal para boas lembranças que rende ótimas conversas e trocas culturais com as visitas, ou até com futuros filhos e netos. Acreditamos que esse é o poder nada secreto das comunidades de artesãos que pode ser integrado às experiências turísticas nos destinos brasileiros.
Os visitantes, ao serem recepcionados pelo anfitrião em uma experiência, conhecem sua história, vivenciam um pouco da realidade daquela comunidade e, em algumas vezes, têm a oportunidade não só de contemplar, mas de colocar a mão na massa no processo artesanal de criação. A consequência é a valorização daquelas peças, daquela história e das raízes culturais de cada lugar. Trata-se de um exemplo prático de como o turismo, realizado de maneira sustentável e responsável, pode agregar valor ao artesanato. Neste caso, os visitantes têm o propósito de viver uma experiência única, aprender, trocar e valorizar as comunidades visitadas e seus moradores. Eles são impactados diretamente pelo turismo e, também, devem usufruir e se fortalecer com os benefícios que a atividade pode trazer, pois o turismo precisa ser tão bom para os moradores locais como é para os turistas.
Neste contexto, respeitar a cultura local significa, também, pagar o preço justo, valorizando não apenas a habilidade e o tempo gasto na criação, mas também o saber tradicional, contribuindo com a geração de renda, melhoria da qualidade de vida e manutenção e aperfeiçoamento do trabalho.
Nestes anos em que colecionamos projetos realizados Brasil afora, pudemos constatar que os benefícios das experiências turísticas atravessadas por valores como a empatia e o desenvolvimento local se expandem e promovem resultados difíceis de mensurar, como a dignidade e elevação da autoestima dos moradores, a valorização do trabalho, das práticas sociais e da cultura popular e a preservação da natureza. Acreditamos que a relação entre artesanato e turismo é simbiótica e, no exercício de planejamento e estruturação de um destino, o artesanato é matéria-prima que enriquece e agrega valor ao turismo.
Vivência no Vale do Ribeira (SP)
Por isso, entre as iniciativas que já lideramos com foco no fomento ao turismo sustentável está a experiência criada junto à Associação Banarte, no Vale do Ribeira, em São Paulo. No universo do ecoturismo, a região se destaca pelo grande potencial natural, devido à riqueza da biodiversidade protegida em grandes reservas de Mata Atlântica, e cultural, devido à existência de comunidades tradicionais que traduzem sua identidade criativamente através da produção artesanal.
Neste contexto, as mulheres da Banarte usam linhas, fios e fibras como meio de expressão, de interpretação criativa da sua própria identidade no município de Miracatu. Foi lá que atuamos na implementação de uma experiência turística em que os visitantes conseguem acompanhar as etapas de criação do artesanato local, desde a extração da fibra de bananeira, até o processo de tecelagem e finalização das peças. O grupo trabalha com mais de 100 tipos de produtos e, desta maneira, dá um fim sustentável ao resíduo da plantação de bananas que é uma das principais atividades econômicas na região.
“A Banarte, em 2018, estava à beira da falência. Então, quando a gente conheceu a Turismo 360, muitos pontos mudaram. Na época, a gente não tinha maquininha de cartão, não tinha Facebook ou Instagram, não sabíamos fazer a precificação certa e também como recepcionar as pessoas. As mudanças foram extremas, fomos de 0 a 10. Antes, o turista chegava aqui, não sabia sobre o manejo, de que forma era feito o trabalho e, em geral, achava caras as peças. Quando a gente passa a mostrar, primeiro, como é extraída a fibra e como é confeccionada a peça (o trabalho manual de tear, tingir, etc), o valor que o turista está disposto a pagar dobra, triplica. O que era ‘caro’, agora já não é”, relata Léia Alves, atual presidente da associação.
O nosso encontro aconteceu por meio de um projeto relacionado ao Programa de Apoio à Gestão Pública (AGP), uma parceria da Turismo 360 Consultoria com o Instituto Votorantim e o Legado das Águas – a maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil. A área abrange os municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí no Vale do Ribeira paulista e conta com o desenvolvimento de pesquisas científicas e atividades da nova economia, como a produção de plantas nativas e o ecoturismo. Assim como a Banarte, outras iniciativas locais receberam capacitação de gestão em turismo e tiveram contato com conceitos que permitiram uma análise global de seus negócios, incluindo indicadores e maneiras mais eficientes de atingir resultados.
Hoje, a associação tem pelo menos cinco empresas parceiras que levam turistas frequentemente ao local. A qualidade das peças é tamanha que elas têm sido exportadas para a França, Inglaterra e Estados Unidos, além de outras regiões do próprio país, para lojas e projetos pontuais, como desfiles de moda. A demanda hoje é tão grande que, apesar de haver 20 artesãs associadas na zona urbana da cidade e cerca de 50 famílias na zona rural, elas ainda não conseguem suprir toda a demanda. Por isso, o grupo tem estruturado projetos para formar novas artesãs.
O valor da receptividade mineira
Também na região Sudeste, tivemos o privilégio de encontrar o Ateliê Saracura Três Potes, do talentoso e premiado casal de artistas José Alberto Bahia e Jéssica Martins. O espaço fica no meio da Serra da Moeda, em Minas Gerais, rodeado por muito verde, flores e passarinhos. Recebe um fluxo grande de turistas, em especial os que estão na região por conta de Inhotim, célebre museu de arte contemporânea e Jardim Botânico, que fica no município de Brumadinho.
Estes e outros empreendedores fizeram parte do Projeto para o Fortalecimento da Competitividade do Setor Privado do Turismo, promovido pelo Circuito Turístico Veredas do Paraopeba com apoio da Vale. O objetivo do projeto era melhorar a competitividade turística de alguns dos municípios atingidos pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, fortalecendo, assim, alternativas de geração de emprego e renda para as comunidades.
Contribuímos para montar ali uma experiência na qual é possível o visitante vivenciar o belíssimo ritual de transformar barro em cerâmica, durante uma tarde acolhedora com esses anfitriões super receptivos. Quem não gostaria? O lugar conta com um ateliê grande, forno, oficina, sala de modelagem e exposição das peças. Juntos, eles também desenvolvem peças utilitárias, de arte e artigos decorativos através de cascas de frutos e árvores brasileiras, em especial do Cerrado.
“A consultoria nos auxiliou a estruturar melhor e a pensar o espaço para receber o turista, o cliente e a oferecer vivências. E nos ajudou a entender melhor a nossa relação com as mídias sociais – como a gente pode lidar com ela de forma mais positiva para poder divulgar. Aprendemos a dar mais valor ao que a gente desenvolve aqui, porque tivemos um reconhecimento muito positivo e tudo agrega ao trabalho também de alguma forma”, compartilha José Alberto, o Bebeto.
Artesanato e Turismo
As comunidades de artesãos são uma riqueza desse país. A atividade turística pode ser mais rica e intensa a partir do contato com o talento e com a força desses mestres da cultura brasileira. Acreditamos que unir o potencial criativo de comunidades de artesãos às demais vocações turísticas dos destinos é uma das formas de transformar a experiência e, mais do que isso, criar uma agradável conexão, tão especial para quem recebe quanto para quem visita.
Texto originalmente publicado no portal da Artesol.