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Família fazendo ciclismo em Monte Verde (MG), na Serra da Mantiqueira. Foto: Theo Grahl

“Turismo responsável é transformar destinos em lugares melhores para se viver e, depois, para se visitar.” A frase, frequentemente citada como lema do movimento de turismo responsável no Brasil, é atribuída ao professor Harold Goodwin, fundador do International Centre for Responsible Tourism (ICTR Global). Ela destaca a importância de priorizar a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais antes de se concentrar na experiência do visitante. Em outras palavras, a presença do turista deve contribuir positivamente para a vida de quem o recebe.

Essa demanda é cada vez mais urgente à medida que os impactos negativos do turismo se tornam mais evidentes ao redor do mundo. Entre eles estão o overtourism — quando um destino recebe mais visitantes do que sua capacidade comporta — e a gentrificação de áreas turísticas, que eleva os preços dos aluguéis e empurra os moradores para as periferias, além da concentração de renda, quando há exploração da mão de obra local de forma injusta economicamente. Soma-se a isso o uso intensivo de recursos naturais, o incentivo aos deslocamentos aéreos e o aumento da produção de resíduos, agravando os problemas ambientais associados ao turismo de massa. Atualmente, estima-se que o setor seja responsável por cerca de 8% das emissões globais de carbono.

Responsabilidade e inovação: caminhos para o futuro do turismo brasileiro

Diante desse cenário, o turismo responsável surge como uma estratégia para minimizar esses impactos e potencializar os aspectos positivos da atividade, priorizando a qualidade de vida das populações anfitriãs, a conservação ambiental e a geração de valor para os negócios do setor. Para um país com dimensões continentais e grande diversidade étnica e natural como o Brasil, trata-se de uma oportunidade valiosa.

Em 2024, o país recebeu mais de 6,65 milhões de turistas estrangeiros, de acordo com o Ministério do Turismo. Considerando também o fluxo interno, o setor representa uma parcela significativa do PIB e do emprego formal. Para que esse crescimento possa ser celebrado, no entanto, é fundamental aumentar a aposta em segmentos inovadores e de baixo impacto, como o ecoturismo, o turismo de base comunitária, o turismo de experiência e o afroturismo, entre outras modalidades que promovem a empatia, a inclusão e a conexão genuína com a cultura local.

Além de sua importância econômica, esse tipo de turismo pode ser um aliado na proteção dos biomas e na valorização da criatividade brasileira. Dos passeios de jangada em vilas de pescadores do litoral alagoano, aos festivais de bumba meu boi, no interior do Maranhão, passando pelos rituais Kuarupi dos povos indígenas do médio Xingu (MT), é a autenticidade dos nossos anfitriões que torna o Brasil um destino único, potente e desejado. Ao incluir essas comunidades — que vivem em grandes áreas naturais — na gestão e operação do turismo, promove-se a preservação de seus modos de vida e gera-se renda em territórios com poucas oportunidades financeiras, desestimulando atividades predatórias. Para além disso, se o turismo proporciona tantas experiências culturais e gastronômicas valiosas, permite a conexão com a natureza, a arte e a memória coletiva dos lugares e promove o bem-estar dos visitantes, nada mais justo que a recíproca seja real e concreta.

Turismo responsável no DNA da Turismo 360

Nesse contexto, Marcela Pimenta, líder de estratégia da Turismo 360, afirma que os princípios do turismo responsável estão no DNA da consultoria, cuja missão é desenvolver o turismo sustentável em parceria com comunidades locais. A proposta, no final das contas, é fortalecer o senso de responsabilidade coletiva e ampliar os benefícios econômicos, sociais e ambientais da atividade.

“Em nossos projetos, buscamos metodologias que colocam as comunidades no centro do processo de desenvolvimento turístico, sem abrir mão do rigor técnico. Para isso, nossa abordagem do turismo é regenerativa: promovemos estratégias que valorizam os aspectos socioambientais do território e fortalecem identidades culturais e saberes tradicionais. Acreditamos que a experiência turística, que inspira e ressignifica a vida de tantos viajantes, precisa ser tão boa para as comunidades visitadas, quanto para os turistas que estão visitando” defende a gestora.

Marcela ressalta, no entanto, que transformar o modelo de turismo no Brasil é um desafio complexo, que exige o engajamento de diversos atores e soluções colaborativas.

Indicadores de Turismo Responsável

Pousada flutuante vista de cima no Lago Mamirauá no Amazonas

Pousada Uakari, na Reserva Mamirauá (AM), que é gerida por uma associação local. Foto: Edu Coelho/Instituto Mamirauá

Gustavo Pinto, fundador do Muda! — Coletivo Brasileiro para o Turismo Responsável, é uma das principais vozes do movimento no país. A iniciativa reúne empresas comprometidas com a promoção do turismo sustentável brasileiro no mercado internacional e com a influência na criação de políticas públicas no setor. Segundo ele, o Brasil tem avançado significativamente nesse campo.

“Acabamos de participar de um prêmio de turismo responsável na WTM Latin America e temos visto outros eventos e cursos sobre o tema, o que demonstra a crescente popularização do conceito.”, avalia. Em 2025, o Prêmio de Turismo Responsável da WTM, o maior evento do setor na América Latina, reconheceu iniciativas inspiradoras ligadas à conservação ambiental, inclusão, diversidade, desenvolvimento econômico justo e ao fortalecimento da relação entre turista e destino.

Além da disseminação do conceito, Gustavo observa uma evolução prática nas operações turísticas. “Temos visto muitos empreendimentos adotando indicadores, indicadores simples, para planejar de forma mais sustentável suas experiências. Quantas mulheres trabalham na empresa? Quantas estão em cargos de liderança? Quantas pessoas negras ou LGBTQIA+ participam da operação? Quanto do recurso gerado fica no território? Esse tipo de métrica tem se popularizado e é isso que permite uma gestão mais consciente da atividade turística”, comemora.

Na prática: o caso da comunidade Kalunga

Visita a território Kalunga na Chapada dos Veadeiros.

“Responsabilidade é ação, é movimento. É uma busca contínua. As pessoas assumem a responsabilidade de fazer do turismo uma ferramenta de desenvolvimento para seus territórios”, afirma Marianne Costa, fundadora do Instituto Vivejar, dedicado à promoção do turismo responsável no Brasil. Para ela, a sustentabilidade é um horizonte a ser permanentemente perseguido.

“É uma provocação que precisa ser feita de forma constante: como posso remunerar melhor? Como gerar empregos mais qualificados e bem pagos? Como criar oportunidades para empreendedores locais, minimizar impactos ambientais, promover a cultura, incluir mais pessoas, gerar benefícios reais? Como fazer do turismo uma ferramenta de resistência?”, questiona Marianne.

Ela cita como exemplo emblemático o povo Kalunga, que vive em comunidades quilombolas na Chapada dos Veadeiros, importante polo de ecoturismo do país. “Apesar dos desafios estruturais, como o racismo, a comunidade encontrou no turismo uma estratégia de geração de renda e pertencimento. Desde a gestão da associação até o agendamento e a mediação das visitas, tudo é realizado pelos próprios moradores”, relata.

Marianne conta que, após receber pesquisadores, fotógrafos e ativistas engajados na valorização do território, os Kalunga passaram a ver o turismo como um motor de transformação local, que de fato tornou a comunidade um lugar melhor para se viver. “É o que você ouve das pessoas de lá”, explica.