Tem gente viajando longe para correr nas ruas e nas montanhas brasileiras. Mais do que um hábito esportivo, a corrida se tornou um verdadeiro fenômeno cultural, que estimula a criação de comunidades, transforma o estilo de vida de corredores e motiva muitas viagens para competições em diferentes regiões do país. Por isso, a atividade é capaz de movimentar economias locais e fortalecer destinos turísticos, especialmente na baixa temporada. Segundo pesquisa da ABRACEO (Associação Brasileira de Organizadores de Corridas de Rua e Esportes Outdoor), realizada em 2024 e divulgada em 2025, o número de corridas de rua no Brasil cresceu 29% em relação a 2023, totalizando 827 provas oficiais.
“Hoje vivemos um momento de expansão sólida e consciente da corrida, e isso movimenta um mercado de quase 1 bilhão de reais em inscrições e um impacto de 2,5 bilhões de reais junto ao turismo esportivo”, afirma Guilherme Chelso, presidente da ABRACEO. Os números confirmam uma transformação cultural: a corrida deixou de ser apenas um esporte e passou a ser uma experiência, que conecta saúde física e mental, superação pessoal e, muitas vezes, um incentivo a mais para se conhecer o Brasil.

Maratona Internacional de Foz do Iguaçu: Trajetos que passam por cartões postais são grandes estímulos para viagens de atletas amadores. Foto: Nilmar Fernando
Mais que uma tendência, um motor econômico
Modismo ou não, muitas pessoas que aderem aos eventos esportivos por força da tendência, acabam percebendo os benefícios físicos e, principalmente, mentais que o exercício traz e estimulam familiares e amigos a desvendarem o mundo das corridas e seus curiosos hábitos. Há quem acorde às 4h da manhã de um domingo para se deslocar muitos quilômetros e participar de uma prova que vai lhe render mais uma medalha para a coleção em um destino qualquer. Outros se motivam pelos atrativos da cidade do evento, para além da proposta da corrida em si.
Gestores que entendem o valor do turismo esportivo sabem que grandes maratonas e provas de rua atraem não apenas atletas, mas também famílias, equipes de apoio, patrocinadores e imprensa, movimentando hotéis e restaurantes. Esses eventos também associam a imagem do destino a um estilo de vida saudável, impactando um público qualificado, por meio das coberturas das competições. Por isso, a força do esporte e seu recente boom podem ajudar destinos a se posicionarem junto a um nicho muito disposto a investir em viagens fora de temporadas.
“A corrida é uma ferramenta contra os principais males do século XXI, como obesidade, solidão e doenças mentais. É um espaço heterogêneo de mudança de vida e luta por saúde de forma geral, principalmente nesse contexto de comunidade e códigos sociais de inclusão e amizade”, avalia Daniel Krutman, CEO do Ticket Sports, plataforma de divulgação de eventos esportivos. Além das corridas de rua, outras modalidades esportivas e atividades de aventura têm atraído cada vez mais adeptos no Brasil. Os destaques são o trail running, o ciclismo (de estrada e MTB), o surfe, o kitesurfe e o rafting, que costuma atrair um público diverso, porque não exige preparo físico, já que é uma atividade turística e não uma modalidade esportiva.

As corridas de montanha também têm ganhado adeptos em todo o país. Foto:Wanderson Nascimento (Divulgação)
O que atrai os organizadores
A escolha de uma cidade para sediar uma corrida, seja de rua, maratona, trilha, ciclismo, ou prova temática, envolve a combinação de fatores técnicos, logísticos, turísticos e mercadológicos. Para conquistar o coração dos organizadores desse tipo de evento, os destinos precisam oferecer infraestrutura segura, logística eficiente e apoio público. Trajetos que passem por pontos turísticos também fazem toda a diferença. Ou seja, é preciso divulgar os principais atrativos turísticos da cidade e oferecer apoio e agilidade para interdições e serviços de segurança e incentivar a participação da comunidade como voluntária.
Incentivos fiscais e articulação com possíveis patrocinadores são fundamentais e geram impacto positivo no turismo e na economia local. Por fim, fatores ligados à marca e visibilidade do evento são considerados: cidades de apelo internacional fortalecem a imagem da prova, mas localidades menores podem se destacar pela originalidade, oferecendo experiências autênticas e acolhedoras, como apresentações ligadas às tradições do lugar e atrações gastronômicas. Em resumo, a cidade sede é escolhida por sua capacidade de equilibrar logística, turismo, segurança e potencial econômico, garantindo uma experiência memorável para atletas e familiares.
Além disso, investir em experiências complementares amplia o impacto das competições. Shows, provas temáticas e circuitos culturais transformam a corrida em uma celebração do destino. No Brasil, exemplos de sucesso incluem a Maratona de Foz do Iguaçu, que atravessa o Parque Nacional e termina nas Cataratas; a tradicional Volta da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), e a maratona internacional do Rio de Janeiro, que oferece um percurso inesquecível pela orla de Copacabana e Ipanema, passando por cartões-postais como o Pão de Açúcar. Na modalidade trail running, que leva os corredores para trilhas em montanhas e florestas, eventos como a Trail Running Serra dos Poncianos, em Monte Verde (MG), mostram como o turismo esportivo pode valorizar destinos de natureza e diversificar seu público. No Pará, a Jungle Marathon é considerada a mais difícil do mundo, atravessando trechos da Floresta Amazônica. Já na Serra Gaúcha, a Maratona do Vinho, em Bento Gonçalves (RS), mistura tradição italiana, adrenalina e degustação de vinhos. Essa combinação curiosa é inspirada nos tradicionais polos vinícolas do Velho Mundo.
Inspirações internacionais

Na Marathon du Médoc, realizada todos os anos na região de Bordeaux, entre vinhedos e castelos do sudoeste da França, a performance não é o foco: o objetivo é se divertir e degustar bons vinhos no percurso.
Imagine correr uma maratona de 42 km cercado por vinhedos deslumbrantes, castelos centenários e… taças de vinho em diferentes pit stops. Essa é a proposta da Marathon du Médoc, que acontece no Sudoeste da França. Assim como ela, não faltam outras referências internacionais de como unir esporte, turismo e cultura. A corrida Romeu e Julieta, em Verona (Itália), convida casais a correr inspirados no romantismo de Shakespeare. Já a Rock’n’Roll Marathon Series oferece uma experiência pra lá de autêntica: corridas com apresentações musicais de peso ao longo do percurso, em cidades como Nova Orleans, Liverpool e Chicago. Esses exemplos mostram que as corridas podem ser muito mais que competições: elas viram plataformas de identidade cultural e experiências inesquecíveis para moradores e visitantes.

Roteiro de bicicleta da operadora Caminhos do Sertão no Vale dos Vinhedos.
Vale lembrar que esses eventos, sejam corridas de rua, de bike, ou campeonatos de surfe, por exemplo, abarcam diferentes possibilidades de trajetos e níveis de dificuldade. No caso das corridas, há provas curtas de 5 km, maratonas de 42 km ou ultramaratonas de montanha. Ou seja, as competições esportivas proporcionam experiências de turismo ativo para um público diverso, ajudam a superar a sazonalidade do setor e fortalecem a imagem de destinos nacionais.